Governo é aquela ficção, em que todos acreditam que podem viver às custas dos outros - Frédéric Bastiat.
Gustavo Miquelin Fernandes
Doutrinariamente,
é costumeira e bem aceita a seguinte divisão das supostas gerações de direitos
fundamentais:
A primeira geração, a dos direitos civis e
políticos, que seriam direitos negativos ou de não agir, como liberdade de
expressão, religiosa, por exemplos.
A segunda
geração seria a dos direitos econômicos, sociais e culturais, que exigiram
prestações ou condutas comissivas do Estado, com fulcro no princípio da
igualdade.
A
terceira geração seria a dos direitos de solidariedade, em especial o direito
ao desenvolvimento, à paz, ao meio-ambiente sadio, tudo com fulcro na bandeira
da fraternidade.
Há os que
pregam mais gerações de direitos como, verbi
gratia, direito à democracia direta e ao pluralismo, dando conta de outras
mais gerações.
São
conceitos que constam de quase todos os manuais jurídico e com extensa produção
acadêmica, levando à séria conclusão que esses teóricos têm pouca compreensão
de fenômenos políticos, filosóficos e jurídicos que acompanham a História.
É uma
construção doutrinária que julgamos errônea e inadequada, sem forma de se
compatibilizar com a realidade jurídica existente e com a mínima noção de senso
público.
In limine, reconhecemos apenas os direitos
de “primeira geração” (termo que não adoto), onde não são tratados como
revelados por um acontecimento ou advento de uma geração nem outra forma
progressiva de revelação; apenas cremos na existência positiva desses direitos,
e que em certo quadrante da História, ganharam reconhecimento formal.
Ou seja,
apenas os direitos que constituem na “primeira geração”, sob minha ótica
particular e Liberal, têm relevância.
Vejo
nessa construção um pano de fundo altamente marxista, revelado no fato de que a
segunda geração de direitos, num continuum
progressista, anulou a primeira, visando valores mais voltados à igualdade das
classes, dando vazão à idéia deturpada de luta classista.
Política
social e distribuição de renda através do Direito, esse é o desiderato da communis
opinio doctorum nesta arquitetura
teórica, ao meu ver.
O
descuido intelectual parte da não compreensão de que a forçosa implementação de
situações jurídicas, através de meios coercitivos, por meio da autoridade
estatal, acarreta inexoravelmente a lesão dos demais administrados.
É certo,
pois, que toda tentativa de implemento de, por exemplos, direitos de “segunda
geração”, traz consigo, em maior ou menor grau, espoliação da liberdade de
outros membros da comunidade.
Assim, um
travestismo jurídico explícito. Sempre o ideal coletivista se travestirá de uma
boa tese, uma tese social, de boa aparência teórica, imbuída das melhores
pretensões, mas acarretando os piores malefícios com sua execução no mundo
prático.
Seria a
concretização desses direitos virtuais, dizem, a complementação da dignidade da
pessoa humana, sendo que um não poderia existir sem a presença do outro. Por
exemplo, os direitos de primeira, não poderiam viver sem os de terceira
geração; e se isso ocorresse a existência individual não estaria pautada no
princípio da dignidade da pessoa humana, encartado na Constituição Federal.
Essa
construção que muito tem de ideológica faz do seu travestismo um meio de propor
solução social por via de ação falsa, como sempre achacando direitos basilares
como a liberdade e a propriedade
privada.
Nesta direção,
pude escrever em artigo anterior:
“O coletivismo faz que aos poucos
as pessoas, unidade mínima existencial, esqueçam-se do fim mesmo da existência,
que é a promoção, a evolução e aprimoramento do “eu”. Aquela doutrina nefasta
exige que isso se torne aspecto secundário, em nome de um ente virtual e
abstrato, que é a comunidade, a sociedade, o coletivo, etc. (...)
Coletivismo é a falsa ideologia
que se traveste de “boazinha”, escondendo sua face terrível, que é a
demonização do ser humano, considerado em si mesmo; a manutenção de
privilégios; a canalização de dinheiro público para setores questionáveis do
ponto de vista da eficiência; o asseguramento do Estado, como provedor dessa
segurança coletiva igualitária.”
De Bastiat a frase: “a Lei perverteu-se por
influência de duas causas bem diferentes: a ambição estúpida e a falsa
filantropia”.
Outro
ponto que considero importante pra ser enfrentado é do autoritarismo desse
sistema de implementação de direitos.
Consabido
que a execução dessas políticas públicas demandam recursos financeiros de
subida ordem. Estrutura de pessoal, ou seja, posições burocráticas, e grande
investimento financeiro são itens necessários para a tentativa de realização
desses objetivos.
Ressalte-se
que isto não é suficiente para a plena consecução de fins sociais; e sim, para
implantação de projetos e estruturas tendentes àquelas finalidades, ou seja,
são custos de meio e não de resultado.
O
financiamento dessas políticas sociais se constitui sempre em um ônus diluído ou
uma oneração coletivizada, por meio de tributos, ou seja, uma “norma de
rejeição social”, conforme tese de Ives Gandra da Silva Martins.
E tudo
quanto se trate de imposição tributária deve ser questionado, analisado
detidamente, e na esmagadora maioria, imediatamente rejeitado, inclusive
utilizando-se dos meios de Direito para tanto.
Lembrar
sempre um axioma importantíssimo sempre quando dessas discussões: não há
direitos sem recursos que o garantam, nem políticas sociais afirmativas sem a
devida fonte orçamentária de financiamento.
Esqueçamos
o lúdico, o virtual, as populices legislativas e concentremo-nos nos
verdadeiros desafios a resolver, com clareza e honestidade intelectuais.
Sabido
que a tributação, muito embora essa possa até prezar o reeinvestimento na
rubrica social, traz mais danos que benefícios a todos os indivíduos; a
tributação é o único raio de ação do Estado, sem o qual o mesmo não pode
existir, e diga-se de rápida passagem, que sendo a única forma de agir, o mesmo
realiza mal, pessimamente.
Convém
sempre rememorar esta regra áurea: onde há tributação e Estado, a tendência é o
aumento do Estado e da tributação. Eles se retroalimentam e exigem mais um do
outro, como forma de sobrevivência.
O Estado,
representado nas pessoas físicas de seus burocratas, não são iluminados, não
são capazes de escolher dentre as milhares de ações que seus súditos
tributários desejam.
Essas
escolhas sempre devem se dar
individualmente porquanto a burocracia não é capaz de fazê-las, e se
assim fizerem, a motivação deve ser a mais perversa de todas.
A par
dessa crise de legitimidade de escolhas estatais, as opções feitas pelas
pessoas livremente, sem coação de qualquer sorte, são as mais propícias a
levarem dignidade a elas próprias.
Assim,
toda intenção, ainda que virtualmente benéfica, e que sabemos que não são
benéficas, eis que o objetivo maior dos representantes governamentais é o
enriquecimento ilícito (e nisso não há nenhum uso da generalização, já que a
presunção em assuntos públicos deve ser contrário ao interesses do “Leviatã”),
podemos claramente concluir que o Estado trabalha contra o individuo, em que
pese a alegada motivação, sempre calcada no famigerado “interesse público”, que
eu batizo de “interesse do agente público”.
A
tributação perversa, a fim de atender determinada classe ou “geração”, para
satisfazer direitos sociais, sacrifica os indivíduos que demandam outros
direitos, e indivíduos de próximas gerações.
No
primeiro caso, pessoas que escolheram outros objetivos de vida e aspiram à
outra categoria de opções e são obrigadas a suportar ônus que não anuíram. No
segundo, pessoas que ainda não suportam pesos fiscais, mas no longo prazo, terão
que arcar com essa oneração.
Nisso
consiste o autoritarismo o qual chamo a atenção.
Ainda
citando Bastiat: “Todos querem viver à
custa do governo, mas esquecem que o governo vive à custa de todos”.
E nem se
usa aqui o argumento moral da tributação, ou seja, que exação se constitui em
ilegítimo meio de ação estatal (roubo).
A
tributação, sempre maligna, faz a substituição dos ativos monetários privados,
advindos da produção econômica efetiva, pelo dinheiro das impressoras do
Governo, que são ativos virtuais e fictícios; disso decorre o problema da
inflação, que corrói o poder de compra, e destrói com a vida financeira dos
mais necessitados.
Considero
que o real atendimento às necessidades sociais seria o enfrentamento dessa
questão, por exemplo.
Além do
que, a tributação sempre subtrai renda das pessoas, e no Brasil, já se sabe que
os pobres são tributados mais ferozmente.
Compreende-se
o porquê das políticas sociais acarretam mais prejuízos aos necessitados que
benefícios. A justiça social que tais políticas de efetivações de direitos
pregam é mentirosa, e os agentes que assim pregam, também falaciam, às vezes
por ignorância e falta de estudo, apenas.
Realmente,
é mais fácil dar o peixe que ensinar pescar. Isto cria a relação de
dependências que os governantes desejam para concretizarem projetos de poder
pessoais. Parto cheio para oportunistas.
Acho que situações imperiosas demandam atenção
cuidadosa do governo, em minha analogia, o caso da pessoa ter tanta fome, que
não tem força de segurar a vara, nem de prestar atenção nas instruções para a
pesca. Há casos e casos. Não faça radicalismos nem sou um fanático libertário.
Sou
contra fazer isso uma “política de Estado”, perpetuando a miséria civil, que é
mais abrangente que a miséria financeira de um povo. No país da bagunça
institucional, sem lição de casa feita, a comunidade jurídica quer fazer média
social, isso, para mim, importa em inadmissibilidade.
Quem
prega que é um grande mito o papel do Estado como garantidor das liberdades
básicas, cabendo à iniciativa privada a prestação dos direitos sociais e
econômicos e que deva ser perseguida a intervenção burocrática no sentido de
promover a distribuição da riqueza flerta apaixonadamente com a ignorância.
Busco em
Milton Friedman sua épica frase: “There’s
no such thing as a free lunch”: “Não existe almoço grátis”, ou na versão
abrasileirada machadiana: “Não se pode ir à Glória sem pagar o bonde”.
É uma
norma básica desconhecida de toda essa comunidade jurídica manualista mainstream,
importando dizer que toda opção tem e deve ter seu custo, para que a sociedade
não se sobrecarregue, e que os bens da vida aparentemente gratuitos na verdade
são financiados por muitas pessoas, quero dizer, há muita gente alocando
recursos próprios para que seja viabilizada essa fruição.
Creio
também que a Análise Econômica do Direito
pode dar sua contribuição ao debate, de forma muito honesta.
Essa
análise tem como um dos objetivos principais verificar a eficiência no caso
jurídico concreto, com relação a normas, programas jurídicos, sistemas
normativos, etc.
Aplicando
a AED ao caso jurídico concreto, configura-se um poderoso aliado para que
operadores de Direito possam maximizar com eficiência a tomada de decisões com
repercussões jurídicas, como esses programas de gerações de direitos. Segundo
Richard Posner: “explorar os recursos econômicos de tal maneira que seu
valor seja maximizado (Economic
Analysis of Law. 7ª ed. Boston, 2007. p. 10).
Assim, da
análise dos custos da decisão, supostos benefícios à coletividade, especulações
consequencialistas, pode haver grande contribuição dessa Ciência a esta
discussão, a qual eu faço minhas sinceras recomendações.
O princípio
da "reserva do possível" (ou da
Reserva de Consistência)
dispõe que a possibilidade da atuação do Estado no tocante à efetivação de
direitos sociais, econômicos, e outras prestações estatais é condicionada pela
existência de públicos disponíveis e suficientes.
Criado pela doutrina alemã ("Vorbehalt des Möglichen"), a teoria faz menção entre a existência de direitos fundamentais e a permissibilidade da peça orçamentária estatal.
Basicamente, relaciona a efetivação de direitos de caráter social com a disponibilidade financeira do Estado, o que sempre terá que contar com nossa observância.
Assim,
nota predominante nesta particular análise é a existência da proporcionalidade
e razoabilidade na relação implicada, no que todo atendimento social pelo
Estado deve inexoravelmente a elas se enquadrar, e com relação à toda
argumentação exarada em linhas superiores, máxime com relação ao argumento
consequencialista alinhavado, fica difícil pugnar pela razoabilidade de certos
programas estatais erroneamente definidos em “gerações de direitos”.
Muito bem argumentado. Infelizmente a comunidade jurídica está se tornando cada vez mais um instrumento do discurso retórico marxista, onde alguns imbecís deslumbrados com a "justiça social" ganham cada vez mais fama e importância como ícones do direito brasileiro. Mas isso é só mais uma prova que no Brasil as coisas só tendem a afundar, até que a miséria intelectual de toda a população acarrete uma dominação desta, em definitivo, pelo Estado - p benevolente, o protetor dos desvalidos.
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