Ou da Teoria do Desestímulo, Doutrina dos Danos Punitivos
ou Teoria da Pena Privada – Uma Introdução.
“A indenização por dano moral objetiva
compensar a dor moral sofrida pela vítima, punir o ofensor e desestimular este
e outros membros da sociedade a cometerem atos dessa natureza." (RSTJ
151/269-270, Rel. Min. ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO)
Gustavo Miquelin
Fernandes
Aludido pensamento, ainda em franco desenvolvimento no
Brasil, veicula a ideia que as indenizações por responsabilidade civil aquiliana
(ou extra-contratual) devem, além de serem restitutórias em relação ao que o
prejudicado sofreu em seu patrimônio (material ou moral), ter a característica
censória ou punitiva, e, para que tal condenação
aja no intuito de desestimular tais condutas gravosas, no que tange ao próprio
causador, como a toda comunidade jurisdicionada.
A punitive damages,
que conhece também outros nomes, tais como: dano moral punitivo, teoria
da pena privada, imaginary
damages, speculative damages, doutrina dos danos punitivos, teoria
do desestímulo, exemplary or punitive damages,
tem gênese no Direito romano, ao depois, consolidada nos países da chamada Common Law, países com orientação jurídica
e judicial mais consuetudinária , não escrita e jurisprudencial.
Foi mais bem desenvolvida nos Estados Unidos da América onde
é, hodiernamente, fortemente aplicada.
Hoje já influencia vários outros sistemas judiciais.
O direito do desestímulo concentra suas
forças além da tarefa do simples ressarcimento, pregando a punibilidade do lesionante,
pondo-se como elemento desestimulante e pedagógico, promovendo esforços no
sentido do dissenso, individual ou coletivo. Assim, traz em seu bojo, um
conceito educacional ou pedagógico.
Em termos práticos, aumenta-se especificamente
o quantum indenizatório, para que a condenação
seja mais justa e efetiva. Não apenas ressarcindo, mas, em tese, educando e
penalizando fortemente o sujeito que causa dano a outrem.
Indenização
que não simplesmente compensa os prejuízos (dano emergente e lucros cessantes e,
mais recentemente eventual “perda de oportunidade”, “de tempo”, etc.), mas pune
o autor da lesão do patrimônio alheio, representando um exemplo a todos –
cumprindo sua função dissuasória.
A compensatory damages cede lugar à punitive damages.
Já encontra críticas bem consolidadas no Brasil, onde tais
detratores alegam que não há guarida em nosso sistema legal para referida tese,
muito embora a jurisprudência tenha sistematicamente produzindo decisões nesse vetor.
A crítica a essa novel doutrina é depositada nos seguintes argumentos,
em resumo:
a) o país é a adotante da Civil Law
(e não há tipicidade ou previsão de tal instituto);
b) indevida interferência
e intrusão do Direito Penal sancionador;
c) estímulo à indústria
dos danos morais;
d) estímulo ao autoritarismo
judicial;
e) enriquecimento ilícito,
vedado expressamente pelo Código Civil;
Nesse sentido, e sendo elemento que agrava a situação do
condenado civil, em respeito ao devido processo legal material, há alguns
requisitos importantes, a nosso ver, que devem ser sumamente observados, embora
sem previsão legal, nem doutrina maciça a esse respeito.
Assim, vejamos:
a) dolo inquestionável
do ato lesivo;
b) extrema reprobabilidade
da conduta;
c) culpa grave;
d) bom-senso na exasperação
do valor indenizatório.
Veja que o Código faz silêncio em torno da possibilidade do
instituto; e o mesmo é explicito em relação à quantificação indenizatória:
Art.
944. A indenização mede-se pela extensão do dano.
Parágrafo
único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano,
poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização."
Assim,
em primeiro momento, poderíamos negar fosse adotado tal posicionamento, no
sentido da extensão da responsabilidade civil. Contudo, em meu entender, penso não
seja óbice suficiente. Trata-se de mera crítica legalista, facilmente superada
por uma imersão mais social, conjunta do ordenamento e prática do direito das
responsabilidades. Veja-se que a
doutrina e as decisões judiciais estão se alinhando pouco a pouco à tese.
Assim, repito particularmente, creio seja possível a adoção do instituto ora examinado,
como medida agravante das condenações civis, em se tendo condições mais
específica e os requisitos acima arrolados.
Na
doutrina, cito fragmento de Cáio Mário da Silva Pereira, texto integrante de decisão
do Supremo Tribunal Federal:
Definitiva,
sob tal aspecto, a lição - sempre autorizada - de CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA
("Responsabilidade Civil", p. 55 e 60, itens ns. 45 e 49, 8ª ed.,
1996, Forense), cujo magistério, a propósito da questão ora em análise, assim
discorre sobre o tema:
"Quando se cuida do dano moral, o fulcro do conceito ressarcitório acha-se deslocado para a convergência de duas forças: 'caráter punitivo' para que o causador do dano, pelo fato da condenação, se veja castigado pela ofensa que praticou; e o 'caráter compensatório' para a vítima, que receberá uma soma que lhe proporcione prazeres como contrapartida do mal sofrido. (AI455846/RJ; RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO).
"Quando se cuida do dano moral, o fulcro do conceito ressarcitório acha-se deslocado para a convergência de duas forças: 'caráter punitivo' para que o causador do dano, pelo fato da condenação, se veja castigado pela ofensa que praticou; e o 'caráter compensatório' para a vítima, que receberá uma soma que lhe proporcione prazeres como contrapartida do mal sofrido. (AI455846/RJ; RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO).
Vejamos como decide, nesse sentido, a jurisprudência nacional:
Ementa: APELAÇÃO CÍVEL EM SEDE DE AÇÃO DE REPARAÇÃO POR DANOS
MORAIS. INSCRIÇÃO INDEVIDA EM ÓRGÃO DE CADASTRO DE RESTRIÇÃO AO CRÉDITO.
INEXISTÊNCIA DE DÉBITO. CONFISSÃO DA EMPRESA RECORRENTE. DANO MORAL IN RE IPSA.
APLICAÇÃO DA TEORIA DO DESESTÍMULO OU PUNITIVE
DAMAGE. CARÁTER PEDAGÓGICO E
REPRESSIVO. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. JUROS DE MORA
DEVIDOS DESDE A CITAÇÃO À TAXA DE 0,5% AO MÊS ATÉ O DIA 10.01.2003 E, A PARTIR
DE 11.01.2003, À TAXA DE 1% AO MÊS. CORREÇÃO MONETÁRIA DEVIDA.
Ementa: APELAÇÃO CÍVEL E RECURSO ADESIVO EM SEDE DE AÇÃO DE
REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS. INSCRIÇÃO INDEVIDA EM ÓRGÃO DE CADASTRO DE RESTRIÇÃO
AO CRÉDITO. CONTRATO DE FINANCIAMENTO. FILIAL. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA.
ARTS. 14 E 25 DO CDC . DANO MORAL IN RE IPSA. APLICAÇÃO DA TEORIA
DO DESESTÍMULO OU PUNITIVE DAMAGE. CARÁTER PEDAGÓGICO E REPRESSIVO. JUROS DE MORA DEVIDOS
DESDE A CITAÇÃO À TAXA 1% AO MÊS. CORREÇÃO MONETÁRIA DEVIDA DESDE A SENTENÇA.
PRECEDENTES DO STJ. CONDENAÇÃO EM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS .
E
ainda no Tribunal de Justiça de São Paulo:
0008495-34.2011.8.26.0071 Apelação
| |
Outros números: 00084953420118260071
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Ementa: COISA MÓVEL. Compra e venda. Defeito oculto. Conduta
esquiva da vendedora e da fabricante. Defeito de fabricação constatado.
Demora na solução deste. Ofensa à boa-fé objetiva. Indenização por danos
morais cabível. Imposição que se reveste de justiça e que assume o feitio de
uma espécie de sanção que no direito anglo-saxão é denominada "punitive
damage". Ação de indenização por danos materiais e morais. Procedência
parcial. Apelações de cada ré denegadas.
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Ementa: RESPONSABILIDADE CIVIL - ACIDENTE DO TRABALHO - DIREITO
COMUM - PERDA DA FALANGE DISTAL E MÉDIA DO TERCEIRO DEDO, FALANGE DISTAL
MÉDIA E METADE DA FALANGE PROXIMAL DO 4" DEDO DA MÃO DIREITA - NEXO
CAUSAL - PROVA - ÔNUS DO DEMANDANTE - CULPA GRAVE DO EMPREGADOR -
CONFIGURAÇÃO - INDENIZAÇÃO DEVIDA - SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA PARCIAL
CONDENANDO O EMPREGADOR POR DANO MORAL - REFORMA PARCIAL PARA ADEQUAÇÃO DO
"QUANTUM" INDENIZATÓRIO - REDUÇÃO PARA VALOR CORRESPONDENTE A CEM
SALÁRIOS MÍNIMOS A conduta da empregadora, exigindo de seus empregados que a
limpeza da máquina operada pelo demandante fosse efetuada com ela ligada,
paia que não houvesse paralisação na produção, induvidosamente configura a
denominada culpa grave, porquanto traz grande risco para a integridade física
do trabalhador manusear unia máquina provida de lâminas afiadas, ligada Bem
andou o juiz de Direito em condenar a empregadora a indenizar o obreiro a
título de danos morais Nesse tópico, segundo orientação que prevalece perante
a nossa Turma julgadora, o dano moral busca compor não apenas o sofrimento
derivado da lesão extrapatrimonial em si Por isso, no momento da fixação do
"quantum" indenizatório essa reputação do dano moral deve também
considerar todas as conseqüências derivadas da lesão, principalmente ante a
falta de previsão em nosso ordenamento jurídico da figura do "punitive
damage", acolhida pelo direito anglo-saxómco Atento aos critérios da
proporcionalidade e razoabilidade, reduz-se, contudo, a indenização à
importância correspondente a cem salários mínimos vigentes na data da
distribuição da demanda, a partir de quando incidirão os índices de
atualização monetária segundo Tabela Prática do Tribunal de justiça, mais
juro* moratórios, incidentes a partir da citação, no percentual de 0,5% ao
mês até janeiro de 2003 c 1,0% todo mês a partir de então, nos termos do
disposto no art 406 do CC e art 161, § V, do CTN RECURSO DA RÉ PROVIDO
PARCIALMENTE RECURSO DO AUTOR DENEGADO
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Desta forma, concluo que embora não expressamente prevista,
nem no ordenamento civil, nem no arco legislativo constitucional, essa doutrina,
com grande influencia nos EUA, e esparsas referências no Brasil, que visa estender
os efeitos da indenização por ato ilícito, não só como uma seqüela ressarcitória,
mas também como punitiva (norma civil-penal), deve no momento da sua aplicação, ser pautada
por um excesso de zelo e cuidado por parte do julgador, atendendo-se os
requisitos acima descritos, para que não seja cometida nenhuma falta judicial,
e quanto possível , cumprindo com sua ratio
essendi, punido o autor do ato ilícito e desestimulado toda a sociedade.
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