Enunciado 169 – Art.
422: O princípio da boa-fé objetiva
deve levar o credor a evitar o agravamento do próprio prejuízo. - III
Jornada de Direito Civil.
Gustavo Miquelin Fernandes
A boa-fé se resume em duas vertentes.
A objetiva e a subjetiva. A primeira é dita a “boa-fé-princípio”,
já a segunda, a “boa-fé- estado”; a primeira, a normação, a segunda, o animus.
A teoria duty to
mitigate the loss ou dever de mitigar o próprio prejuízo ou ainda doutrina dos danos evitáveis decorre
da boa-fé-princípio. Foi criada nos EUA e consiste, em suma, na ação do credor
em atuar positivamente para que o dano por ele suportado seja menor, agindo diretamente
sob a extensão das suas perdas, dentro de uma perspectiva ética.
Não obstante estar dentro já de uma construção doutrinária e
alvo de discussões em jornadas especializadas, a prescrição é apenas, e por
ora, ética (e não afasta sua normatividade) e sugere judicialmente, em caso de
aplicação, que se o credor não agir mitigando suas perdas, pode sentir efeitos
desse seu comportamento omissivo, como por exemplo, experimentar a redução da prestação
da parte adversa, em razão de seu comportamento eticamente faltoso à boa fé
objetiva (do credor).
As relações civis devem ser entabuladas e cumpridas em regime
de cooperação, o que sugere a ação positiva do credor, tanto resguardando seus direitos
como atuando quando de evento danoso para que este seja sempre de menor extensão.
Sugere um dever anexo de atuação ética de forma a evitar a progressão do prejuízo
experimentado ou que se agrave conscientemente a responsabilidade do devedor.
Reza o Código Civil a normação-base desse instituto:
Art. 422. Os
contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em
sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.
A base jurídica remota da teoria se encontra no art. 77 da
Convenção de Viena, in verbis:
“A parte que invoca a quebra do contrato deve tomar as medidas razoáveis, levando em consideração as circunstâncias, para limitar a perda, nela compreendido o prejuízo resultante da quebra. Se ela negligencia em tomar tais medidas, a parte faltosa pode pedir a redução das perdas e danos, em proporção igual ao montante da perda que poderia ter sido diminuída”.
“A parte que invoca a quebra do contrato deve tomar as medidas razoáveis, levando em consideração as circunstâncias, para limitar a perda, nela compreendido o prejuízo resultante da quebra. Se ela negligencia em tomar tais medidas, a parte faltosa pode pedir a redução das perdas e danos, em proporção igual ao montante da perda que poderia ter sido diminuída”.
Na jurisprudência pátria, veja-se a seguinte ementa:
“DIREITO CIVIL. CONTRATOS.
BOA-FÉ OBJETIVA. STANDARD ÉTICO-JURÍDICO. OBSERVÂNCIA PELAS PARTES
CONTRATANTES. DEVERES ANEXOS. DUTY TO MITIGATE THE LOSS. DEVER DE MITIGAR O
PRÓPRIO PREJUÍZO. INÉRCIA DO CREDOR. AGRAVAMENTO DO DANO. INADIMPLEMENTO
CONTRATUAL. RECURSO IMPROVIDO. (REsp
758.518/PR, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO
TJ/RS), TERCEIRA TURMA, julgado em 17/06/2010, REPDJe 01/07/2010, DJe
28/06/2010)
E ainda:
Trata-se de REsp em que se discute se o promitente vendedor
pode ser penalizado pelo retardamento no ajuizamento de ação de reintegração de
posse combinada com pedido de indenização, sob o fundamento de que a demora da
retomada do bem deu-se por culpa do credor, em razão de ele não ter observado o
princípio da boa-fé objetiva. Na hipótese dos autos, o promitente comprador
deixou de efetuar o pagamento das prestações do contrato de compra e venda em
1994, abandonando, posteriormente, o imóvel em 9/2001. Contudo, o credor só
realizou a defesa de seu patrimônio em 17/10/2002, data do ajuizamento da ação
de reintegração de posse combinada com pedido de indenização, situação que
evidencia o descaso com o prejuízo sofrido. O tribunal a quo assentou que, não obstante o direito do promitente
vendedor à indenização pelo tempo em que o imóvel ficou em estado de não fruição
(período compreendido entre a data do início do inadimplemento das prestações
contratuais até o cumprimento da medida de reintegração de posse), a extensão
da indenização deve ser mitigada (na razão de um ano de ressarcimento), em face
da inobservância do princípio da boa-fé objetiva, tendo em vista o ajuizamento
tardio da demanda competente. A Turma entendeu não haver qualquer ilegalidade a
ser reparada, visto que a recorrente
descuidou-se de seu dever de mitigar o prejuízo sofrido, pois o fato de deixar o devedor na posse do
imóvel por quase sete anos, sem que ele cumprisse seu dever contratual
(pagamento das prestações relativas ao contrato de compra e venda), evidencia a
ausência de zelo com seu patrimônio e o agravamento significativo das perdas,
uma vez que a realização mais célere dos atos de defesa possessória diminuiria
a extensão do dano. Ademais, não
prospera o argumento da recorrente de que a demanda foi proposta dentro do
prazo prescricional, porque o não exercício do direito de modo ágil fere o preceito
ético de não impor perdas desnecessárias nas relações contratuais.
Portanto, a conduta da ora recorrente,
inegavelmente, violou o princípio da boa-fé objetiva, circunstância que
caracteriza inadimplemento contratual a justificar a penalidade imposta pela
Corte originária. REsp
758.518-PR, Rel. Min. Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ-RS),
julgado em 17/6/2010.
A importância teórica é tamanha que até em outras áreas que não
o Direito Civil a teoria tem sido citada. Por exemplo, pela Sexta Turma do STJ ao
negar um habeas corpus (HC 137.549) foi utilizada a teoria do duty to mitigate the loss e
do dever anexo de colaboração.
No caso julgado, o condenado
a prestar serviços à comunidade não compareceu ao juízo para dar início ao
cumprimento, já que não foi intimado em razão do endereço que constava nos
autos estava incorreto. A pena foi convertida em privativa de liberdade com
apelo à boa-fé objetiva já que a defesa teria de informar no processo o
endereço do condenado.
Exemplo dessa teoria seria o credor, considerando a pactuação de nível altíssimo de juros em casos de inadimplemento, e querendo faturar alto com a mora do devedor, deixa de tomar providências para notificação do devedor ou mesmo deixe de cobrar o que lhe é devido em tempo oportuno. O credor não age para proteger seu crédito, se omitindo para, antieticamente, majorar a quantia a receber. Ainda nesse exemplo e, em se aplicando a teoria em estudo, o credor experimentaria uma redução de seu crédito a níveis ajustados pelo juiz.
Exemplo dessa teoria seria o credor, considerando a pactuação de nível altíssimo de juros em casos de inadimplemento, e querendo faturar alto com a mora do devedor, deixa de tomar providências para notificação do devedor ou mesmo deixe de cobrar o que lhe é devido em tempo oportuno. O credor não age para proteger seu crédito, se omitindo para, antieticamente, majorar a quantia a receber. Ainda nesse exemplo e, em se aplicando a teoria em estudo, o credor experimentaria uma redução de seu crédito a níveis ajustados pelo juiz.
Conforme acima destacado, a III Jornada de Direito Civil
publicou o Enunciado 169, nos seguintes termos, o que informa que tal teoria já
está sofrendo uma construção teórica mais elaborada e tem tido aplicação nos
tribunais brasileiros:
“Art. 422: O princípio da boa-fé objetiva deve levar o
credor a evitar o agravamento do próprio prejuízo. - III Jornada de Direito
Civil”.
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