Gustavo Miquelin Fernandes
Em Direito Econômico, diz-se sham litigation
o ato ou a conduta de se ajuizar lides temerárias para causar prejuízo a
um concorrente. Constitui abuso do direito de ação, feito de forma
anticompetitiva, onde aquele que aciona a máquina do Poder Judiciário
deseja tão somente desgastar o agente no mercado relevante, aviando
matéria ou petitórios desarrazoados ou sem sustentação jurídica, com base na má-fé.
Ressalte-se que a matéria é mais
ardentemente tratada nos Estados Unidos da América, embora nosso
Conselho Administrativo de Defesa Econômico – CADE já o tenha
enfrentado.
Assim, em pesquisa na Jurisprudência do CADE, é possível vislumbrar a matéria, como segue:
08012.005727/2006-50
Averiguação Preliminar
Recurso de ofício em Averiguação Preliminar. Suposta prática de: i) sham litigation, por meio de depósitos de registro de desenho industrial (DI) junto ao INPI, sem requisito de novidade, no segmento de perfis de alumínio destinados a portas e janelas; ii) enganosidade na distribuição de comunicados ao mercado, em que a representada estaria acusando as concorrentes de prática de pirataria em face de perfis dos quais sequer detinha direito patentário; e recusa de venda, tudo nos termos do art. 2º, II, c/c art. 21, IV e XIII, da Lei 8.884/94. Infrações não configuradas. Exames de mérito dos registros de DI realizados pelo INPI. Comunicado defende direito de linhas de perfis de marcas pertencentes à própria representada. Acusação de recusa de venda insubsistente. Voto pelo arquivamento.
Averiguação Preliminar
Recurso de ofício em Averiguação Preliminar. Suposta prática de: i) sham litigation, por meio de depósitos de registro de desenho industrial (DI) junto ao INPI, sem requisito de novidade, no segmento de perfis de alumínio destinados a portas e janelas; ii) enganosidade na distribuição de comunicados ao mercado, em que a representada estaria acusando as concorrentes de prática de pirataria em face de perfis dos quais sequer detinha direito patentário; e recusa de venda, tudo nos termos do art. 2º, II, c/c art. 21, IV e XIII, da Lei 8.884/94. Infrações não configuradas. Exames de mérito dos registros de DI realizados pelo INPI. Comunicado defende direito de linhas de perfis de marcas pertencentes à própria representada. Acusação de recusa de venda insubsistente. Voto pelo arquivamento.
Desta forma, se o agente deseja
prejudicar a concorrência, usando de seu legítimo direito de acesso ao
Poder Judiciário (que conta com previsão constitucional), leva a Juízo
demanda objetivamente temerária, destituída de previsão objetiva de
êxito e sem uma causa de pedir justa e necessária, motivado pelo desejo
de desgastar o oponente comercial no mercado com os efeitos inerentes ao
processo judicial, pratica sham litigation.
Para a exata configuração da referente conduta se requer dois requisitos:
a) Uso temerário das instâncias
judiciais com aviamento de pretensões objetivamente ilegítimas e que
possam causar danos ao ambiente concorrencial;
b) Dolo ou intenção manifesta de
prejudicar o concorrente por meio daquela ação judicial descabida,
gerando efeitos anticoncorrenciais danosos, ou seja, o desejo direto de
prejuízo com relação à concorrência.
Pode-se citar, como exemplo, dois casos
de abuso do direito de petição e o Sistema Brasileiro de Defesa da
Concorrência, com base em artigo de Bruno Braz de Castro, disponível no
site do CADE (http://www.cade.gov.br/news/n024/artigo.htm – com acesso em 02.06.2014), conforme segue:
[...]
“O caso das “Baterias Moura”.
Uma das primeiras oportunidades em que o
Conselho Administrativo de Defesa Econômica referiu-se à teoria
americana da sham litigation – ao menos expressamente – deu-se quando da
decisão do recurso de ofício, interposto face à moção de arquivamento,
da Averiguação Preliminar nº 08012.006076/2003-72, instaurada em
setembro de 2007, a partir de representação oferecida por “Grupo Moura”
em face de outros fabricantes de baterias estacionárias ventiladas.
Em voto-vista apresentado para o caso, o
Conselheiro Ricardo Villas Bôas Cueva procurou estabelecer alguns
parâmetros interpretativos para abordagem do tema da sham litigation
pelo SBDC: (a) a ampla proteção ao direito de petição na arena política,
especialmente quanto ao Poder Legislativo; (b) a proteção ao processo
decisório do Estado, não cabendo à autoridade antitruste controlar se
tal ou qual ato normativo é viciado; e (c) a capacidade limitada de a
autoridade antitruste constatar abuso do direito de petição, cabendo a
ela prender-se em indícios como a plausibilidade do direito invocado, a
veracidade das informações, a adequação e a razoabilidade.
O caso dos Tacógrafos.
Conquanto ainda não tenha sido julgado
em definitivo pelo Plenário do CADE, o Processo Administrativo nº
08012.004484/2005-51 ventila interessante discussão acerca da prática
sham litigation no mercado de tacógrafos.
Em Nota Técnica lançada nos autos, a
Secretaria de Direito Econômico aponta a possibilidade de, em nosso
sistema jurídico, uma conduta ser considerada “exercício abusivo do
direito de petição com efeito concorrencial” (sham litigation) quando
“(i) a ação proposta é, por completo, carecedora de embasamento, sendo
certo que nenhum litigante razoável poderia, de forma realista, esperar
que sua pretensão fosse deferida; e (ii) que a ação proposta mascara um
instrumento anticompetitivo” – note-se que tais requisitos coincidem com
o teste PRE.”
[...]
A nova lei antitruste do Sistema
Brasileiro de Defesa da Concorrência – 12.529/2011 – que estrutura o
Sistema de Defesa da Concorrência e dispõe sobre a prevenção e repressão
às infrações contra a ordem econômica, em seu artigo 36 arrola as
situações que, independente de culpa e sob qualquer forma manifestadas,
constituem infração da ordem econômica e que tenham por objeto ou
produzam determinados efeitos, ainda que não alcançados, in verbis:
Art. 36. Constituem infração da ordem
econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma
manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes
efeitos, ainda que não sejam alcançados:
I – limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa;
II – dominar mercado relevante de bens ou serviços;
III – aumentar arbitrariamente os lucros; e
IV – exercer de forma abusiva posição dominante.
II – dominar mercado relevante de bens ou serviços;
III – aumentar arbitrariamente os lucros; e
IV – exercer de forma abusiva posição dominante.
Desta forma, ainda que que a matéria não
seja tão comum ao Direito Brasileiro, convém observar a legislação
pertinente com bastante atenção, jamais olvidando que o direito de
petição, ou de acesso ao Poder Judiciário, ou mesmo direito de ação é
uma legítima garantia constitucional, sujeita, entretanto, à
determinadas limitações, como no presente caso, em que se trata de
Direito da Concorrência e presentes requisitos específicos que possam
afastar aquela proteção.
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