Cotas Raciais

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“Eu tenho o sonho de ver um dia meus quatro filhos vivendo numa nação em que não sejam julgados pela cor de sua pele, mas sim pelo seu caráter."
“I have a dream” - Martin Luther King




Gustavo Miquelin Fernandes




Nem tudo que é legal, é legítimo, e nem tudo que é legítimo pode ser legal.

São instâncias diversas de raciocínio e orbitam, de algumas vezes, em espaços paralelos.

Legalidade pressupõe adequação a um ordenamento jurídico interno, produzido por um Poder Legislativo devidamente constituído. 

Legitimidade pressupõe uma tipificação que pende mais para a adequação à proporcionalidade e razoabilidade de circunstâncias; tem um corte mais filosófico e social. A outra terminologia, um viés mais técnico-jurídico. 

O sistema de acesso à universidades brasileiras públicas por critérios raciais, evidentemente, neste momento, está devidamente amparado pela legalidade, ou seja, há lei disciplinadora da questão, qual seja a Lei 12.711/2012, já devidamente regulamentada.

Outrossim, o Supremo Tribunal Federal endossou de forma unânime a existência desse discrímen, conferindo também, em controle de constitucionalidade, a devida forma ao sistema ora estudado. Nosso excelso tribunal pendeu pela adequação constitucional da vigência do nominado sistema, com amparo no princípio da isonomia (ou igualdade), configurando, na visão dos Ministros, autêntico processo de discriminação positiva.

Quero dizer, aqui, não se combate a ilegalidade do procedimento, e sim sua crise de legitimidade e de inadequação e outros aspectos que lhe maculam a eficiência. 

Negar a existência do racismo no Brasil é flertar com a tolice; não é esse meu papel. O racismo é uma realidade história que impinge a determinado grupo uma condição fantasiosa de  inferioridade; trato, em evidente, dos negros. 

A República Federativa do Brasil é regulada por uma Constituição do tipo welfarista ou de bem-estar social, que visa, usando recursos públicos, e seguindo uma linha de políticas públicas afirmativas, erradicar, quanto possível, os desníveis sociais, inclusive com adoção de sistema de reservas, destinadas a grupos específicos historicamente excluídos. 

Por primeiro, lanço o argumento de que a adoção dessa política pública elege critério não objetivo, totalmente disperso e virtual para enquadramento no privilégio, haja vista que a determinação de raça, hodiernamente, e por razões científicas (e não meramente especulativas) é praticamente impossível.

De uma ótica antropo-fisiológica é uma realidade científica que a existência de raças é um mito. Portanto, afirma-se que o conceito de raça inexiste, haja vista não haver fundamento genético que endosse o argumento da existência de grupos raciais. 

A Ciência declara que a diferença genética entre grupos étnicos é praticamente nula, não sendo possível tratar seres humanos por critérios raciais.

Portanto, o critério assumido para trabalhar com o sistema de cotas raciais é totalmente subjetivo, e por via de conseqüência, inadequado. Falta transparência e objetividade na classificação dos contemplados pelas reservas raciais. 

Domesticamente, no Brasil, em alguns casos, o que basta para início do processo de seleção é a autodeclaração do interessado, afirmando ser negro, sendo a avaliação dessa informação avaliada por um grupo de pessoas, algo que considero totalmente inepto, não-transparente, subjetivo e virtual.

Veja-se também, para dificultar a seleção dos interessados, a questão do caldeirão cultural, da miscigenação, que se define como a mistura de grupos étnicos ou biológicos.

Sabe-se que por razões históricas, como a natividade, a colonização, o tráfico negreiro,  a imigração, a miscigenação  brasileira é uma realidade assaz presente, que deu origem a certos grupos: cafuzos (negros e índios); caboclos ou mamelucos (índios e brancos e pardos ou mulatos(brancos e negros).

Por aí se vê a complexidade do tema, constituindo-se questão de alta indagação, que demandaria um debate mais aprofundado e maior reflexão. Foi algo extremamente precipitado este debate, a discussão e a produção legislativa que resultou na adoção do expediente. 

Uma questão que pra mim cintila são alguns perigos que a adoção desse sistema reservista pode causar e que poucas pessoas estão alertando. 

Temo foi adotado, pela precipitação, o “atalho das onças”. 

Creio que o grande fato de exclusão de pessoas, em nosso país, é o desnivelamento financeiro grave (e não o razoável, tão comum ao sistema capitalista, que é saudável e regido pelas leis do mercado).

Essas políticas afirmativas raciais não maquiariam os verdadeiros problemas que temos de resolver: a péssima educação, a ausência de cultura na sociedade civil, o ensino deficitário, a falta de educadores competentes no mercado? 

A dificuldade de negros ingressarem no ensino superior é resultado da alienação/omissão do Governo com relação a um ensino robusto e de excelência, propiciador de uma sólida formação e que ensejaria um ingresso por méritos próprios em estabelecimento de ensino, sejam privados ou públicos.

Penso que essas reservas racistas estariam acobertando as verdadeiras equações que a sociedade tem de enfrentar, hora menos hora.  

O racismo existe, é uma realidade incontestável. Há ainda pessoas que crêem em uma inferioridade, calcada em critérios fenotípicos, como cor da pele. Isso deve ser combatido pela sociedade civil, modelando e formatando um país unirracial, de seres humanos apenas, uns negros, outros brancos, ou de qualquer outra pigmentação na epiderme, mas que nada disso tenha importância relevante na convivência comum.

A classificação racial, para qualquer finalidade, deve ser combatida, contudo, o que ocorre é justamente o contrário; esta catalogação diferenciadora está sendo fomentada, e não só pela sociedade, e sim, pelo Estado, o que é pior, já que tem um enorme peso e poder de influência. 

Não há nenhuma disparidade intelectual ou meritocrática entre brancos ou negros ou qualquer outros; há sim, uma disparidade ideológica dos que acham superiores ou os que endossam este sistema cotista, que para mim, são racistas invertidos.

Classificação e divisão da sociedade civil. Hitler tentou fazer isso...

Considero correto o esclarecimento, o combate ao racismo, que é a negação de direitos subjetivos garantidos objetivamente pelo Direito, e o ataque aos verdadeiros causadores da exclusão e da pobreza. 

Falar em cotas raciais é “fuga de tema”, o que aniquila a tentativa de resolução dos grandes males brasileiros que não podem mais esperar por equação e resolução.

E por falar em temas brasileiros, a solução simplista de reservas raciais é nitidamente um item de importação, nada criativo. 

Foi trasladado dos Estados Unidos, já que a sociedade norte-americana ainda é extremamente racista, sendo isso fortalecido na chamada Era Jim Crow (entre 1876 e 1965), onde o separatismo foi incorporado ao programa de Estado, através de leis específicas, como por exemplo as que instituíram a separação dos negros em transportes coletivos, em acomodações verdadeiramente inferiores.

É um histórico que não podemos deixar se apague de nossa formação e usemos esse trauma social para moldar soluções honestas e eficazes como formo de dissolver o racismo e problemas que dele decorrem. Lembrar sempre, por exemplo, da existência da Ku Klux Klan e do Conselho dos Cidadãos Brancos que pregavam abertamente uma nação apenas para brancos.

Foi um “item de pronto consumo”, verdadeiramente importado dos E.U., sem compreensão dos verdadeiros problemas domésticos. Assim, essa mesma política adotada pelos norte–americanos de cotas para negros seriam uma forma de desestimular aquela política anterior da Era Jim Crow, onde vigiam o racialismo e o separatismo, ambos fomentados pela máquina estatal.

Ocorre que já em meados dos anos 70, a Corte Suprema começou a afastar a constitucionalidade do “cotismo racial”. 

Portanto, uma “solução gringa para problemas tupiniquins”.

Um outro argumento que enfrento é a ineficiência e do autoritarismo desse sistema.
 
Quando o Estado começa a dividir, catalogar a sociedade para qualquer finalidade, já há um germe de autoritarismo latente; o que aniquila o conceito de igualdade entre seres humanos. Isso é muito perigoso. Poucas pessoas têm realizado este alerta.

De se rememorar que a igualdade entre seres está expressamente prevista na Constituição Federal, em forma de princípio, unidade informadora do sistema.

A tentativa de combater o racismo com catalogação e mais discriminação, a mim não me parece positiva. Isto acompanhará os estudantes, que sempre serão tachados pejorativamente de cotistas, com seus ativos meritocráticos solenemente ignorados.

E os brancos excluídos, os japoneses, os imigrantes que sofreram preconceitos? Pessoas com histórico de exclusão ou não, mas em situação de hipossuficiência seriam prejudicadas para efetivação de concessões de vagas a  determinados estudantes. Todos seres humanos, todos constitucionalmente iguais, mas, uns privilegiados pelo Estado, em nome de uma dívida histórica.

Levanto a questão: é legítimo uma geração pagar por outra uma dívida social que ela não gerou? 

O embate histórico e a hostilidade de brancos e negros estão sendo ressuscitados neste momento. Penso que essas políticas afirmativas não têm o condão de reparar danos sofridos por gerações anteriores; isso é de uma utopia gritante. O melhor sempre é oportunidade igual pra todos, serviços públicos (quanto couber ao Estado, evidente) de qualidade e combate ao racismo.

Se sair disso, a solução é falaciosa e populista, devendo ser imediatamente rejeitada. 

Creio que temos de ser solidários e ajudar uns aos outros, em nome da boa convivência e de valores éticos consolidados, mas com soluções honestas e eficientes.

Pensar em cotismo racial é usar o Estado para oficializar a perseguição contra outros grupos, em razão de conceitos não bem explicados, porquanto até agora não foram.

Enfim, como se diz em Direito Constitucional, o discrímen não é razoável; peca pelo subjetivismo, e pragmaticamente, pela ineficiência.

A sociedade brasileira se precipitou: as leis racistas foram promulgadas e o Supremo Tribunal Federal encampou a tese.

Infelizmente, o racismo no Brasil foi institucionalizado.



*Quadro "A Redenção de Cam", de Modesto Brocos (1895)

Comentários

  1. O STF além de legislar, agora está alterando a constituição. Discriminação, positiva ou não, é proibida pela constituição.

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