Problemas do Poder Judiciário - Possíveis Causas e Soluções.



  


Gustavo Miquelin Fernandes, advogado





         Recentemente participei de um debate no interior de São Paulo, apenas como ouvinte.


O tema debatido foi “Problemas do Poder Judiciário e suas possíveis soluções”, mais detidamente sobre a morosidade desse sistema.

  Alguns colegas participantes propunham a eliminação de recursos processuais; outros, mudar a Constituição Federal; outros, diminuir vagas em universidades (?); vozes que pregavam novos diplomas legais, outras que recomendavam mais contratações no Poder Judiciário.

 
        Os profissionais ali presentes, não obstante a boa vontade em debater o tema com honestidade intelectual, trataram-no epidermicamente, até com, desculpe a insutileza analítica, infantilidade.  


As raízes dos problemas da Justiça são históricas (como, enfim, muitos de nossos problemas); remontam a um passado colonial, o que demanda analiticamente não simplesmente um paper como esse, o que, creio, não configura fator impediente para que façamos sucinto estudo de caso, sem abordar a causa primeira dessas situações que entornam o ambiente jurídico e que prejudicam em muito o desenvolvimento individual e institucional como um todo.

Pugno sempre pelo didatismo e pela desmistificação dos temas objetos de estudo.Parto das possíveis e alcançáveis resoluções para, èn passant, espreitar os problemas que gravitam em torno da temática.

E diga-se de fugaz passagem, que esta temática liga-se umbilicalmente ao conceito de cidadania e direitos civis, já que para Rui Barbosa: “a justiça atrasada não é justiça; senão injustiça qualificada e manifesta”, o que nos leva a um inexorável pensamento, não mais jurídico e contemplativo, como acadêmicos, e sim como cidadãos perseguidores da satisfação de nossas necessidades de primeira ordem.

  Proponho a divisão do tema em três pilastras que considero basilares para compreender o corpus do problema.

Há o problema cultural, institucional e gerencial que permeiam a insatisfação geral e até objetiva mesmo (eis que ocorre mesmo no mundo dos fatos) em relação à Justiça brasileira, mais especificamente com a pouca velocidade da marcha dos processos judiciais.

Por primeiro, trago a baila a questão cultural que grassa na zona pensante do país.

Parto de um raciocínio simplista e trivial. Quando algo que nos traz prejuízo, por exemplo, algum ato difamatório nos atinge: qual o pensamento imediato? 

           “Vou processar fulano!”.

  É o que chamo cultura da litigância


O brasileiro, por razões sem espaço para desenvolver, aposta sempre, com toda sua força civil, em um poderio estatal para equacionar seus problemas, os mais prosaicos que sejam. É a força e potentado do estatismo, uma ideologia burra que remonta ao pós-guerra e que permaneceu na mentalidade social, estando bem consolidada. Algo que a escritora judia Ayn Rand muito bem desenvolveu em seu esforço  intelectual e sua obra legada.

 Esta perniciosa estadolatria, onde o cidadão, esquecendo que está investido de poderes amplos constitucionais e até naturais, calcados em sua individualidade, se subestima ante um Estado que ele endeusa e que fatalmente não irá resolver seus conflitos, na maioria dos casos.

Infelizmente o cidadão se apequena em suas pontecialidades gigantescas para deificar um Estado que está aí apenas para coadjuvar o ser em suas relações sociais e não ser o “substituidor” do cidadãos em todos os campos do relacionamento humano.

Atentar para exceções que realmente existem. Não há sociedade sem Estado e toda ordem de  fanatismo deve ser repelida.

Há os que se assustam com a palavra “processo”, temendo seja um instrumento que tenha poder de vida e morte sobre elas, tamanho é a idolatria que a sociedade deposita no deus Estado e suas atividades-fins.

Não estou pregando minimalismo estatal, um minarquismo ou coisa parecida. Ao Estado cabe constitucionalmente o monopólio da jurisdição, do poder de dizer o Direito ao caso concreto. Essa conclusão paira acima de qualquer discussão.

O que se questiona é a excessiva procura por esses serviços estatais, sempre que possível remediar os conflitos por formas outras, algumas bem mais eficazes e eficientes e até homenageadoras do exercício da cidadania.  

Veja-se que nas universidades está muito presente esta cultura da litigância: se aprende a ganhar causas, litigar, protelar demandas, recorrer ad eternum, e não transigir, solucionar, compor conflitos individuais.

Neste sentido, o dedo acusador aponta para a universidade, essa grande vilã, que hoje em dia se tornou especialista em fazer idiotas, em massa e escala fordista.

  Veja-se, v.g., a quantidade de bacharéis que temos no Brasil, o que evidencia ainda mais a litigiosidade na práxis.

Temos a Lei de Arbitragem n.º 9.307/96, excelente instrumento para uso das classes empresariais, sem necessitar recorrer ao combalido sistema, que deve ter seu uso agressivamente incentivado - além de outros meios extra foro.

E grande contribuição para esse espectro cultural do problema tem assento concreto em nossa lei mais poderosa - A Constituição Federal.

A analogia que sempre uso para descrever como nossa "Constituição Besteirol" (na felicíssima expressão de Roberto Campos) contribuiu para essa cultura foi a de uma pessoa que sem ter condições materiais e financeiras convidasse o bairro inteiro para tomar um cafezinho em sua casa; chegando lá, as pessoas sentiriam-se frustadas, claro, mas não abandonariam o convite, todas esperariam até sua vez de tomar a sua xícara gentil. A casa viraria uma bagunça, um caos.

         A analogia encontra seu modelo perfeito em nossa realidade.

Foi com isso que a Carta Maior (que respeito como documento formal), mas que seu conteúdo tem prejudicado deveras o Brasil, extensivamente programática contribuiu: judicializou relações particulares, criou muitos órgãos judiciantes, muitos tributos, contribuindo com as novas demandas judiciais,descreveu muitas garantias e poucos deveres processuais.

Foi forjada uma sociedade de “demandistas”: improdutiva economicamente, super litigantes judicialmente, descontentes socialmente e despreparada politicamente. Colhemos os frutos da demanda reprimida por regimes anteriores e consolidados por um documento utópico, apressado, feito por políticos populistas e descompromissados, os "democratas de última hora".

Essa é a primeira causa, que sem querer ser simplificadora da realidade, exige atenção por parte dos interessados em analisar os problemas do Poder Judiciário.

A segunda causa que causa a sôfrega judicialização das demandas sociais diz com o aparato institucional no qual esse mesmo Poder jaz entabulado.

Aqui colacionamos os inúmeros problemas que não vamos fazer digressão maior, eis que já, ad satiem, popularizados e entranhados em nossa consciência maior. Aqueles que o senso técnico comum aponta e que abarcam parcela considerável de culpa.

Arcaísmos legais, fórmulas vetustas, simbolismo dos mais variados matizes e apego aos formalismos anacrônicos são problemas há muito constatados. Leis antigas, privilégios processuais, "preceitos de chicana", inflação legislativa, etc.

Há estudos, inclusive do Banco Mundial que aponta que não há déficit de funcionários nem de orçamento nesse Poder, e sim problemas legais e, conforme adiante analisado, de gestão.

         O concursismo, a formação de quadros inchados, a burocracia judiciária têm muito a comemorar com esse status quo caótico que o sistema judicial se encontra.

Cumpre debatermos, antes de tudo, reformas pontuais em: a) cada diploma processual; b) sistema recursal; c) instituições falidas como o tribunal do júri ; d) sistema de retribuição penal; e) uma codificação das leis brasileiras, facilitando a consulta e aplicação por parte dos interpretes sociais e profissionais do Direito; f) processo legislativo; e g) aperfeiçoamento de instrumentos de composição extrajudiciais de conflitos.

Ademais, convive-se hoje no âmbito do Poder Legislativo com uma casta extremamente improdutiva, contraproducente, burra, populista e legalista de legisladores. Cremos que não convém ajustar o sistema, quando os produtores do Direito positivo são desajustados. Realmente, isso apenas se resolve pela via política. 

A lei, formalmente entendida, como fonte do Direito nasce no Parlamento, em processo legislativo constitucionalmente regulado. Nem preciso aqui discorrer sobre a qualidade de nossos congressistas, notoriamente desprezível. 

Formada por analfabetos funcionais, corruptos, verdadeiras ratazanas nos escaninhos do Parlamento, comprometidos com uma ordem ilegítima de esquema de Poder (ver trabalho nosso a respeito), dispensam comentários, os mais breves que sejam.  

Por fim, reporta-se ao problema gerencial desse sistema de distribuição da Justiça e contenção de conflitos. 

É consabido que os administradores das varas judicantes são os próprios juízes de Direito, sou seja, não são agentes capacitados para tal, não são administradores em sentido estrito, preparados para solucionar os mais intricados problemas de gestão.

Juiz de Direito estudou Civil, Processo Penal, Direito Administrativo, e não Estatística, Fundamentos de Administração, Recursos Humanos, Economia, etc.

Assim, submete-se se aos agentes judicantes questões estranhas, principalmente em varas do interior do país, problemas estes que os mesmos estarão incapacitados de dar uma resposta ou solução ótima que resolva o caso.

Urge, assim, sem mais contratações ao Poder Judiciário, retirar dos juízes essas competências que me parecem estranhas ao exercício jurisdicional. Ademais, ampliação dos recursos tecnológicos, capacitação dos servidores, gestão descentralizada e por profissionais preparados e com know how específico são outras medidas que reputo importantes.


         Essas são, em modesta visão, alguns problemas que permeiam nosso Poder Pacificador e que podem, com alguma ação consciente, vontade e senso de urgência, serem arrostados e, quiçá, resolvidos em médio tempo.

           A propósito, talvez um texto não tão carregado tenha mais recado a passar do que uma dissertação  grave, séria e não tão bem escrita:


         A Justiça peituda e vendada

Ameaçada, coitada
Virou
Justiça peitada e vendida

O Direito que era líquido e certo
Desgraçado
Evaporou e está errado

A lei que era a manifestação da vontade da maioria
Virou, abalada
Manifestação da minoria sem vontade.

A Constituição
Letra rasgada
Jaz mofada
Num livro com pó e desmando
Dando alergia no Estado Democrático de Direito

E esse que era garantista
Pisoteado, virou
A garantia do Estado Autocrático
Num desanimador estado Sem Direito



Comentários