Teoria das Instruções da Avestruz

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“Interpretar a lei é revelar o pensamento, que anima as suas palavras” (Clóvis Bevilaqua) .



Gustavo Miquelin Fernandes 


 Estranhezas à parte, referido esquema teórico é, na doutrina, multinominado: pode ser Willful Blindness, Ostrich Instructions, Conscious Avoidance Doctrine, Deliberate Ignorance ou ainda Cegueira Deliberada.

Conscious Avoidance Doctrine significa doutrina do ato de ignorância consciente. 

Com raízes ianques, ganha debate e alguma pouca aplicação no Brasil, não havendo posicionamentos sedimentados dos Tribunais Superiores – por isso creio bom fazer este rápido estudo. 

Os jurisprudentes americanos que a instituíram ao asseverar que a em ato de autoalienação, diante de atos suspeitos, com o fim de lograr vantagem econômica, pode haver a corresponsabilização nos crimes que porventura ocorrerem. 

Dizem os propagadores dessa teoria, quando da explicação do nome, que o avestruz enterra sua cabeça no chão para que não veja nada que lhe desagrade. A título de curiosidade, isso é apenas um mito, provavelmente advindo de desenho animado. Mas retrata com alguma fidelidade a conduta do indivíduo que para afastar sua responsabilidade em provável ilícito penal faz “ouvidos moucos” ou se prostra em estado de ignorância ao que acontece a sua volta. 

Quando o indivíduo se posta em estado voluntário de ignorância com relação a bens e direitos que passam por ele ou sua empresa ou atividade, no claro objetivo de tirar vantagens econômica da situação potencialmente criminosa. Requisitos que reputamos importante são: a ignorância autoimposta e a ciência da potencialidade da origem ilícita dos bens ou valores. 

Em terras brasileiras, no crime de lavagem de capitais a incidência dessa teoria é importante, mas reconhecemos que tudo se resolve em questão de dolo eventual (quando se assume risco de produção do resultado), sem maiores floreamentos doutrinários. 

Destarte, a questão é resolvida em termos de incidência de dolo eventual. Exemplo clássico: um jovem vai a certa loja de joias, portando em dinheiro vivo, três milhões de reais. O dono do estabelecimento se importando apenas com o lucrável negócio jurídico a se entabular, ignora ou tenta ignorar a possível origem ilícita dos valores trazidos pelo rapaz. Por essa teoria, estaria ele responsabilizado pelo suposto crime financeiro. Ao tentar autoignorar a situação para afastar sua responsabilidade penal e incidindo a teoria em exame, presente os demais requisitos: ciência da potencial ilicitude dos valores, responderá por lavagem de capitais. 

O fingimento deliberado com a ciência da potencial ilicitude, visando proveito econômico gera responsabilidade penal. Importante asseverar que não há incidência da teoria da cegueira deliberada nos delitos culposos, pois que como já dito, exige o dolo na modalidade eventual nesses casos. Bem verdade que essa modalidade constitui-se em autêntica responsabilidade penal objetiva, cuja aplicação, de regra, não é aceita no Brasil. 

Em caso emblemático, a jurisprudência em segunda instância afirmou expressamente que “a doutrina da cegueira deliberada é aplicável a todos os delitos que admitem o dolo eventual”. E não o que exige dolo direito. 

Foi o caso do furto de mais de 160 milhões de reais dos cofres do Banco Central em Fortaleza. Relatamos esse case: haviam dois vendedores de carros que realizaram a venda de seus produtos para os furtadores, no valor de um milhão de reais. O juiz entendeu que o furto foi perpetrado por organização criminosa e aplicou a teoria ora examinada, condenando os vendedores por lavagem de dinheiro, já que agiram com indiferença à suspeição decorrente das circunstância, assumindo o risco (dolo eventual) de vender automóveis, em troca de valores de origem ilícita. Na instância acima, foram absolvidos.

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