Por menos linguiça e mais DNA




 https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgoOnEgtZZkuZV7lG-fLS4zRe7FCJg-Utr_3atzja2bO7ReWm-jWbZVkM_snfFhAoYu7MwqBhBmnmHIF5Rcfh7lq1SotUkXuFbiEBjthQbVcM53LSSe5dTEvAsg1mcGxl9eF5ve-TxsjOyI/s1600/picture_lisbon.jpg





Gustavo Miquelin Fernandes



Passei as órbitas em um recurso de apelação em matéria cível. O recurso em suas razões tinha apenas duas folhas, muito bem escrito, conquanto sintético. 

Me lembrou incontinenti, o artigo que revolucionou a Biologia Molecular do século passado; texto que expôs as bases da decodificação do ácido desoxirribonucléico (DNA), escrito, pasmem, em apenas uma lauda. O artigo publicado na revista "Nature", foi escrito por James Watson (e outros) em 1953, descrevendo o modelo da dupla hélice, o que lhe rendeu o Nobel da Medicina nove anos mais tarde.

Se vê que quando há algo realmente importante e sério a dizer, sem arrodeios ou tergiversações, há que ser dito em parcas linhas, com perseguição ferrenha por objetividade. 

No exemplo ofertado, em uma página, a base da Nova Genética foi oferecida ao mundo. A capacidade de síntese é dom sobremaneira importante, e que deve ser exaustivamente treinada. A ideia-chave deve ser apresentada e desenvolvida, sem acréscimos ou penduricalhos que perturbam a correta apreensão/compreensão textual.

No vulgar, a conduta tem nome próprio: "encheção de linguiça".

Coesão e coerência parecem não ser ainda mainstream entre os escritores, profissionais ou mesmo bizonhos, que, com sofreguidão, entabulam seus raciocínios em forma dissertativa. A ausência de base forte em educação em um país que nunca privilegiou o estudo dá conta desse problema com muita folga.

O segundo aspecto que considero reinante é o complexo de inferioridade do estudantado, profissionais e intelectuais. Conjecturam eles, que escrever pouco (ou expor) é sinônimo de pensar pouco. Eles fazem a errônea ligação da ideia original, verdadeira e séria com os tratados de outrora que inauguraram o pensamento científico, como a Enciclopédia iluminista ou a coleção aristotélica, extensivíssima e polímata (que reina em diversas áreas do Saber), desconsiderando a peculiaridade desses trabalhos monumentais, que, como dito, foram preambulares para o Conhecimento - ou seja, iniciadores de uma nova ordem. 

Associam eles o sincretismo do pensamento, sempre possível, com uma possível mediocridade da veiculação, o que não é verdadeiro, devendo isso ser levado à conta de uma idiota mitologia.

Rememoremos a todo momento a "lex parsimoniae", inspiradora do famoso princípio conhecido como "Navalha de Ockham", algo profundamente elementar no aprendizado da Lógica.

Terceiro aspecto, e de não somenos importância, é a formação universitária do estudantado, precária e deficitária, em um país de poucos educadores e muitos mercadores de conhecimento (outrora tidos como sofistas). Em meu período de faculdade tive pouquíssimos professores, que podem usar esse título sem pesar de consciência. Pessoas preparadas e sérias profissionalmente, deveras preocupadas com a evolução intelectual dos alunos são raras - a maioria ainda campeia na seara da preocupação com seus pingues salários. 

O que esses despachantes de conhecimentos devem aprender é que a "cultura dos manuais" está minando com o Brasil; que a reprodução das informações aplicadas em forma de provas não é a medição correta do aprendizado; que é necessário estimular a consciência crítica dos alunos; que a doutrinação em sala de aula é prática constante; que a prática tem que ser levada à sala de aula o mais cedo possível, que o Humanismo deve ser estudado e aplicado, que a especialização precoce tem que ser revestida de uma formação humana sólida e de cultura geral.

Há coisa mais desagradável que ler a conclusão de um fragmento qualquer, sem se lembrar do que foi exposto em sua parte inicial? Escrever de maneira enxuta e sintética, ainda que flerte com a boa estilística, ombreia certamente com a lógica.

Mister dizer ainda que alguns temas, pela aridez e complexidade, demandam maior volume de área informada, porém se trata de exceção, na verdade. A regra ainda é a prolixidade, obscurantismo e o arrodeio intelectual na veiculação dos temas do Saber, o que deve ser combatido a bem do conhecimento e dos leitores que não são obrigados a lerem laudas quilométricas sem o conteúdo correspondente.

Por menos linguiça e mais DNA!

Comentários