A Cultura Circense e os Cafonas Poliglotas

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Gustavo Miquelin Fernandes


Fiz a leitura do livro "A Civilização do Espetáculo", do grande intelectual liberal (tinha que ser!) Mario Vargas Llosa. O autor constata a total debacle da civilização no quesito produção de cultura (ou seria reconhecimento?), a um tempo que o mundo prega sua agressiva democratização e o acesso universal a esse bem. Cultura é bem público e a todos deve ser franqueado - dizem os especialistas.

Esta democratização forçada, como que uma "distribuição em caminhão" à população, causa, paradoxalmente, sua singular diluição e perdimento. Elitista? E quem disse que conceito puro de elitismo é ruim? Não é, por óbvio! Isso é ideia velha e de gente que não entendeu o que é e para que serve uma elite.

As instituições que fazem cultura e conservam-na (religião, Universidade, a intelectualidade, etc.), neste mesmo momento, sofrem com ela a mesma queda espetacular o que, para mim, não fica muito claro se em razão dela, concomitante ou anteriormente a ela, cultura.

Assim, a supervalorização da imagem, em total abandono à palavra, revelando hegemonia total do reino sinestésico. Signos gráficos, orais e musicais vão se prostrando vergonhosos aos sinais exteriores que impregnam os ambientes culturais.

Chega pra ficar a cultura de massa, enlatada, pop, do tipo mesmo Paulo Coelho, que já se arvorou - absurdamente e sem nenhum senso de proporção - em dizer ser o maior intelectual do país, lavrando o "Atestado de Fundo do Poço" que o país chegou e se demora a sair.

A cultura, antes tida como experiência espiritual de alcance momentâneo ao universal, ao espírito da mathesis (conhecimento absoluto), elevando e aproximando o ser da Criação, agora vira entretenimento, diversão mundana e às vezes bem da vagabunda. A leitura rápida, a sexualização explícita ao revés do erotismo, o uso sistemático de chavões e clichês e, como dito, o predomínio do reino das imagens, onde a mídia exerce fundamental importância na missão de nos trazer  o espetáculo.
Sem críticas à mídia, bom que se diga; crítica apenas aos indivíduos demandantes. O espetáculo existe positivamente. Não se trata, pois, de se criticar essa existência, mas sim nossa demanda individual por subcultura. Lembrando ainda algo que nem preciso dizer: a liberdade de cada um demandar o que bem quiser.
Esta liberdade, entretanto, não o exime, por óbvio, do direito  de ser críticado.

Vejo o surgimento de um novo dadaísmo, um criticismo barato das antigas formas e signos tradicionais, promovendo a criatividade dita social, do engajamento cego, da militância manobrada, das causas com apelo populistas, do marketing e do, e isso é por demais grave: esnobismo daqueles que têm contato com um arremedo de cultura: uma literatura mais sofisticada, viagens internacionais, visitas a museus, acesso à proliferação editorial meramente mercadológica.
Tais pessoas se acham cultas; em verdade, são verdadeiros "cafonas poliglotas" e não passam disto.

A experiência cultural, quase estado místico, vira mero divertimento ou passar de horas tediosas, algo como a leitura dum almanaque se equivaler a um Dostoiévski ou Machado de Assis.

Hoje, a fuga não é da absurdidade, de conflitos interiores ou transcendentais, de questões últimas de existências, simplesmente é a fuga do tédio de viver e dos conflitos medíocres do homem comum. Novamente, a presente crítica não é à mediocridade (eu me acho medíocre!), e sim à demanda que fazemos para aliviá-la momentaneamente.

A cultura antropológica tem que ser diferenciada da alta cultura. Aquela não passa de manifestações muito regionais como funks, artes de ruas, etc. Cultura, em essência, é a aproximação estética do universal e isso não se dá por via de manifestações muito locais e mais ou menos improvisadas. Cultura é um fenômeno que abarca obras de arte, o sacro, a Religião, a Filosofia, o know how acadêmico, as personalidades emblemáticas, a Arquitetura, etc. Todos esses conceitos, percebam, bastante universalizados e com raízes muitos fortes na Civilização.

Na ponta desse problema, o multiculturalismo a igualar artificialmente tudo numa vala comum. E não é!
Há culturas primitivas, rústicas e desprezíveis e coisas de boa qualidade. Há religiões ruins, músicas ruins, obras ruins, ao passo que há esses mesmos elementos dotados de inegável harmonia.

Coisa mais desagradável é dialogar com gente que se acha "cult", na verdade, um bando de cafona e esnobes, insuflados pela publicidade, pela mídia fast food e por agentes de intoxicação: professores revolucionários e progressistas, formadores de opinião, etc.

A mudança da percepção entre o eixo do culto e da "cultura pop" faz os realmente interessados se afastarem do meio de debate e discussões, deixando caminho aberto para esses "pós-modernos", com concepções antropológicas muito errôneas a contaminar o ambiente cultural.

Nada pra assustar quando um colunista de jornal de nossa região sai por aí dizendo que se deve introduzir com mais vigor o estudo do marxismo nos bancos escolares. Percebam o estado de coisas!

A cultura com orientação da burocracia, fornecidas a todos gratuitamente, onde todos se regozijam e acham que consomem coisa de grande valor, jamais pode ser confiável, salvo se seu agente produtor seja reconhecidamente independente.

A cultura medíocre nasce através de homens medíocres. Como diria Gasset, os "senhoritos satisfechos".

A Era dos computadores fez nascer vários gênios anônimos, sem corpo, altamente intelectualizados, beletristas e dispostos a mudar o mundo, com receitas prontas para tudo, mas que quando encarnados e visíveis pessoalmente são incapazes de fazer a mais reles observação  ou contribuição séria e talvez um pouco satisfeitos com a vida que levam, contrariando o espírito revolucionário que pregam.
É que o alvo maior sempre é a mudança do mundo, dos outros, da sociedade, da Humanidade inteira. Por isso, eu digo com o filósofo Pondé: "sou contra um mundo melhor".

A cultura é alicerce e substrato e dá firme sustentação aos regimes políticos e sociais e também à base educacional de um país. Porém, como ela está por baixo, até meio oculta, é difícil fazer essa constatação. Pode estar aí um dos nossos grandes problemas.

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