Nulidade de Algibeira

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Gustavo Miquelin Fernandes 

 

Recentemente houve decisão de uma das Turmas do STJ, em Direito Civil, declarando que configura “nulidade de algibeira” sempre que a parte, podendo alegar antes algum tipo de nulidade, não o faz, apenas manifestando em momento posterior - como parte de uma estratégia adotada.

Algibeira significa, segundo o Dicionário Michaelis, "bolso que faz parte integrante do vestuário"; assim, usando-se dessa alegoria, a parte processual esconde a matéria de alegação no bolso, de modo estratégico, usando-a em ocasião posterior, em que supostamente lhe for mais favorável.

Com base neste entendimento, se a parte tendo a oportunidade de se manifestar, alegando qualquer nulidade, assim não age, em se alegando a matéria em momento posterior, tal pode ser desconsiderado pelo órgão julgador.

Silencia quando pode e alega quando quer.

Há, nesse sentido, uma preocupação com a boa fé processual e com o dever de lealdade dentro do processo.Fica claro que é necessário o elemento subjetivo consistente na fraude ou má fé para que o julgador não acolha as alegações. De outra forma, a recusa não teria muito sentido.

Com efeito, diz o Código de Processo Civil:

Art. 14. São deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo:
(...)
II - proceder com lealdade e boa-fé;


Também, há que se levar em conta a segurança jurídica que deve envolver os trâmites do foro, imprimindo certa dinâmica aos atos processuais, que não podem ser permitidos indefinidamente.

Como exemplo, duas decisões sobre o tema:

STJ - RECURSO ESPECIAL REsp 1372802 RJ 2012/0054084-8 (STJ)
Data de publicação: 17/03/2014
Ementa: RECURSOS ESPECIAIS. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. SUBSTITUIÇÃO DA PENHORA. EQUIVOCADA CERTIFICAÇÃO DO TRÂNSITO EM JULGADO. NULIDADE. SANEAMENTO DO PROCESSO. PRAZO PARA CONTRAMINUTA AO AGRAVO DE INSTRUMENTO. NULIDADE SANÁVEL. PRECLUSÃO OCORRÊNCIA. 1. Nulidade da certidão de trânsito em julgado equivocadamente lavrada. 2. "A intimação para a apresentação de contra-razões é condição de validade da decisão que causa prejuízo ao recorrente" (REsp 1.148.296/SP, CORTE ESPECIAL, rito do art. 543-C). 3. Essa nulidade, porém, decorrente da falta de intimação para contrarrazões fica sanada com a intimação realizada em momento posterior. Analogia como disposto no art. 214 , § 1º , do CPC , relativo à citação. Doutrina sobre o tema. 4. Inadmissibilidade da chamada "nulidade de algibeira". Precedente específico. 5. Inexistência de previsão legal para contrarrazões em agravo regimental. Precedentes. 6. Descabimento da anulação do acórdão do agravo regimental sob o pretexto de sanar nulidade já sanada ou de cumprir formalidade não prevista em lei. 7. Necessidade de se manter o atual estado da execução, com base no poder geral de cautela, até a resolução definitiva da controvérsia de fundo. 8. RECURSO ESPECIAL RETIDO PROVIDO, PREJUDICADO O RECURSO PRINCIPAL.


STJ - RECURSO ESPECIAL REsp 756885 RJ 2005/0075774-2 (STJ)
Data de publicação: 17/09/2007
Ementa: AUSÊNCIA DE OFENSA AO ARTIGO 535 DO CPC . LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. INDENIZAÇÃO DO ART. 18 , § 2º , DO CPC . EXIGÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE DOLO E DOS PREJUÍZOS. NULIDADE DE INTIMAÇÃO. INEXISTÊNCIA. LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. LIMITES DA LIDE. COISA JULGADA. ART. 610 DO CPC . 1. Não há ofensa ao Art. 535 do CPC se, embora rejeitando os embargos de declaração, o acórdão recorrido examinou todas as questões pertinentes. 2. A condenação prevista no Art. 18 , § 2º , do CPC , pressupõe dolo da parte que litiga de má-fé, além de demonstração inequívoca do prejuízo causado à parte contrária. 3. Sem que haja prejuízo processual, não há nulidade na intimação realizada em nome de advogado que recebeu poderes apenas como estagiário. Deficiência na intimação não pode ser guardada como nulidade de algibeira, a ser utilizada quando interessar à parte supostamente prejudicada. 4. Não é lícito incluir na condenação, em sede de liquidação, valores não postulados na inicial e não mencionados na sentença liquidanda, sob pena de ofensa ao Art. 610 do CPC .


No primeiro caso, mais recente, o STJ entende que embora não haja o trâmite processual corrido da maneira devida, a intimação posterior proporcionaria o momento para alegar o que de direito. O que não foi feito. Sendo assim, negou a nulidade suscitada posteriormente com base na "nulidade de algibeira".

No segundo excerto, há pequena referência ao termo.O caso é de deficiência na intimação, que foi alegada apenas em momento posterior.

Em resumo, “nulidade de algibeira" é a nulidade (em tese, de ato processual ou mesmo do processo) não arguida tempestivamente, quando se tem essa oportunidade, suscitada de maneira estratégica apenas em momento posterior e que, segundo recentíssimo julgado da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, pode ser afastada pelo órgão judicante.

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